sábado, 17 de abril de 2010

Que cognitiva em linguística? II

O post anterior, que deveria fazer jus ao título com uma discussão sobre o que se entende por "cognitivo" em linguística, acabou na verdade sendo uma proposta de textos introdutórios à abordagem cognitivista em linguística. Mas deixando a carroça andar...
Para estudantes de Letras, linguística e disciplinas correlatas, se deparar com uma linguística que leve o adjetivo "cognitiva" é talvez lembrar do que se encontra vez e outra em textos introdutórios sobre a chamada revolução cognitiva desencadeada nos idos de 1960, e que apresentam a figura de Noam Chomsky como um dos principais pivôs. Em livros de divulgação às ciências cognitivas, como o quase best-seller "The new science of mind" (A nova ciência da mente) de Gardner, e em muitos outros sobre as ciências cognitivas, não é difícil encontrar a Linguística, juntamente com a Antropologia, a Inteligência Artificial (IA), a Psicologia, a Neurociência e Filosofia entrarem na constituição, tradicionalmente conhecida, das ciências fundadoras da Ciência Cognitiva (no momento não iremos adentrar em detalhes sobre o uso de maiúsculas e singular aqui no lugar de minúsculas e plural na denominação dessa(s) ciência(s)). No heptaedro abaixo, foi incluída a educação (Retirado da Wikipedia):




































Daí pode surgir a questão: se Chomsky foi cabeça na chamada primeira revolução cognitiva e leva o nome também associado ao programa de pesquisa gerativista, em que a Linguística Cognitiva se difere da linguística chomskyana no quadro geral das ciências cognitivas?
No "The Oxford Handbook of Cognitive Linguistics", Geeraerts e Cuyckens tentam localizar as duas correntes em momentos distintos na história das ciências cognitivas. A linguística autônoma, como os autores chamam a linguística gerativista, seria parte da primeira revolução cognitiva, dos idos de 1960, enquanto que a Linguística Cognitiva seria da segunda revolução cognitiva, desencadeada por novas descobertas nas áreas das neurociências e por um paradigma conhecido como ciências cognitivas corporificadas.
Fora essa distinção histórica, fica ainda umas pitadas de dúvida. A gramática gerativo-transformacional, desde as suas primeiras versões, na teoria X-barra padrão até os dias atuais na sua versão minimalista, guarda como um ponto de trabalho crucial a premissa de que a faculdade da linguagem é um produto da mente/cérebro de um falante ideal. Em que isso difere dos pressupostos de uma linguística que toma para si o qualificativo "cognitiva"? Nesse ponto, as duas linhas de estudos da linguagem não precisam se estaponar. Tanto a Gerativa como a Cognitiva dão atenção ao peso que a cognição humana oferece para o entendimento do que vem a ser a linguagem. A grande diferença aqui recai novamente em um outro "ponto de articulação". Enquanto a Gerativa toma a premissa de que a faculdade da linguagem é caracterizada por ser um módulo a parte de todo o resto do aparato cognitivo humano, para a Linguistica Cognitiva tal módulo não existe. A linguagem humana é e faz parte de todos os outros mecanismos cognitivos, como memória, atenção, percepção, categorização, etc. À primeira vista parece uma pequena distinção, mas que faz uma grande diferença.
Em resumo, a Linguística Cognitiva toma para si o compromisso de uma verdadeira inserção entre as ciências cognitivas em geral, de modo a contribuir eficazmente para o desenvolvimento de teorias sobre o funcionamento da mente/cérebro. Tanto é assim que os autores que se alinham a tal perspectiva concordam que um programa de pesquisa em Linguística Cognitiva deve levar em conta dois compromissos-chave (key commitments), conforme descrito no The Cognitive Linguistics Enterprise: an overview: o compromisso de generalização e o compromisso cognitivo. Em rápidas palavras, o primeiro busca generalizações acerca das propriedades da linguagem para todos os possíveis níveis de estruturação linguística, isto é, fonológico, morfológico, sintático, semântico, pragmático, etc; o segundo defende que as generalizações buscadas devem estar de acordo com outras descobertas no seio das outras ciências cognitivas, de modo a se elaborar um quadro da cognição humana o mais coeso possível.
Desses compromissos já se vê que uma teoria da linguagem que advogue um único nível responsável pela centralidade de estruturação linguística, no caso a sintaxe, e que também defenda a ideia de um módulo, mesmo que interdependente de outros módulos da cognição humana, torna-se problemática para continuar tomando para si a tarefa de entender a cognição humana.
Em últimas palavras, o cognitivo em Linguística Cognitiva é um verdadeiro compromisso com a cognição.

2 comentários:

  1. O e-book "The new science of mind" do Gardner deve ser visualizado com o aplicativo djvu e não pdf. Dá pra baixar, basta buscar no oráculo Google...

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  2. Sobre a questão modular da linguagem, já não ficou comprovado, em estudos relativamente recentes, que não é correto?
    Não foi verificado e comprovado que a linguagem é realziada a partir de diferentes regiões do cérebro humano?
    Essas duas questões tem um toque de polêmica somente para continuar a discussão muito interessante do post!

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