quinta-feira, 6 de maio de 2010

Quantas linguísticas cognitivas???

Para qualquer iniciante no mundo das teorias linguísticas, as primeiras braçadas no mar de alternativas teóricas são quase que suicidas. Isso se o futuro linguista já não é iniciado em um credo específico sem ter chance de conhecer outros mares...
Provavelmente para a maioria dos estudantes de Letras do Brasil, um primeiro contato deve se dar com o estruturalismo saussureano, enquanto outros são apresentados diretamente ao Chomsky da década de 1990 e a sua versão minimalista de gramática gerativa. Diante dessa profusão de teorias e abordagens, uma tábua de salvação pode vir de alguns bons conselhos do velho José Borges Neto, professor da Universidade Federal do Paraná-UFPR.
Em entrevista recente para a Revista Virtual de Estudos da Linguagem-ReVEL, o prof. Borges fala da importância da História e da Filosofia da Linguística para um posicionamento mais crítico em relação às marés teóricas. Tal preocupação filosófica e histórica poderia e pode contribuir para um melhor senso de direção, para onde nadar ou que corrente marítima é melhor se deixar levar, de forma a não se afogar ou se afastar mais ainda de terra firme.
Tive essas ponderações após ler o capítulo 20 do "The Oxford Handbook of Cognitive Linguistics" sob o título "Cognitive Linguistics and Functional Linguistics" de Jan Nuyts. Nesse capítulo, o autor tenta delimitar a atuação da Linguística Cognitiva dentro do mosaico chamado linguística funcionalista, da qual a Linguística Cognitiva faz parte, por questão de afiliação.
Com esse texto, finalmente consegui entender melhor as 'caras' das linguísticas cognitivas produzidas na Europa e nos Estados Unidos. Esta é considerada o 'núcleo' e ponto de surgimento das principais teorias que iriam configurar o(s) campo(s) de investigação e atuação dos linguistas cognitivistas, nas palavras de Nuyts, os domínios de investigação da área. Aquela, considerada cognitivista-funcionalista, abarcaria diversos autores e diferentes linhas de atuação, a maioria com um background funcionalista, enquanto que os linguistas cognitivistas americanos geralmente tiveram uma formação gerativista.
Fica fácil ver que além de uma maré teórica, ao chegar em terra firme, o aspitante a linguista tem que se ver com uma floresta de mais alternativas. Caso tome a direção da floresta cognitivista, o sortudo náufrago também se depara com diversas trilhas a seguir, algumas já traçadas e outras ainda em produção...
Só como um exemplo, Nuyts enumera algumas facetas teóricas que poderiam ser apontadas como indicadoras das sutis diferenças entre as linguísticas cognitivas produzidas no Velho Mundo e por essas bandas de cá do chamado Novo Mundo. Para os cognitivistas ligadas à Universidade da California, em Berkeley e San Diego, temos:

  • Uma maior preocupação com questões mais semânticas da língua, por isso a ênfase na Teoria das Metáforas Conceituais, os construtos dos Esquemas Imagéticos, etc;
  • Uma maior preocupação com temas relacionados a outras ciências cognitivas como a Psicologia Cognitiva e as neurociências, como os estudos sobre categorização, a proposta de Lakoff dos Modelos Cognitivos Idealizados-MCIs, o construto dos Espaços Mentais e Integração Conceptual, também chamada de Mesclagem (do inglês blending), etc.;
  • e a elaboração de modelos cognitivos de gramáticas preocupados com a simbolização, como exemplo a Gramática Cognitiva de Ronald W. Langacker, etc.
Já entre os linguistas cognitivistas europeus, há uma maior preocupação com aspectos cognitivos, sociais e culturais relacionados à produção de construtos teóricos menos 'psicológicos'. Como exemplo, tem-se a recente proposta de uma Sociolinguística Cognitiva, conforme proposta de Gitte Kristiansen e René Dirven (2008). É também da linha cognitivista da Europa que tem vindo uma preocupação maior com outros domínios de investigação, como por exemplo o diálogo da Linguística Cognitiva com a linguísticas de corpus e as pesquisas tipológicas, com William Croft. Em resumo, a linguística cognitiva em seu ramo europeu não perdeu por completo a ligação com seu background funcionalista, talvez por isso a classificação de Nuyts, para os cognitivistas europeus, de funcionalistas-cognitivistas.
Atentar para as rápidas e não poucas vezes duradouras (de)semelhanças entre as linguísticas cognitivas é uma forma de não se perder pelas trilhas cognitivistas. Nesse ponto, volto a ressaltar a importância da História e da Filosofia da Linguística, ou pelo menos, de uma forma menos prescritiva, uma preocupação com as fontes históricas e filosóficas das trilhas a que se decidiu seguir.
Para provar tal importância, vejamos o caso brasileiro. Para um desbravador da floresta cognitivista em terras brasileiras, as trilhas às vezes parecem mais difusas. Aqui se fala em sociocognitivismo, linha de investigação capitaneada pela profa. Margarida Salomão, da Universidade Federal de Juíz de Fora-UFJF. Apesar da formação da profa. Margarida Salomão ter sido em Berkeley, no Núcleo forte da linguística cognitiva, em terras 'brasilis' a linguista propõe uma maior preocupação com questões sociais, de uma forma levemente diferente da Sociolinguística Cognitiva proposta na Europa. No momento eu não teria fontes nem espaço para explanar mais sobre o sociocognitivismo advogado pela dita professora e seus seguidores, mas acredito que tal preocupação com questões mais sociais na exploração da linguística cogntiva no Brasil tenha se dado ou por mudança de foco de pesquisa no decorrer da carreira da profa. Salomão ou pelo ambiente propício, no Brasil, de desenvolvimento de uma linguística cognitiva que incorpore mais elementos sócio-culturais. Bem, espero poder voltar ao tema em outra oportunidade, principalmente caso eu tenha escrito alguma aberração por aqui no que diz respeito aos cognitivistas brasileiros, dada a minha maior familiaridade com os estadunidenses do que com os próprios brasileiros, em relação à literatura cognitivista.
Em suma, podemos falar que debaixo do guarda-chuva "Linguística Cognitiva" temos na verdade várias linguísticas cognitivas, fato a ser comemorado. Pluralismo teórico e metodológico faz parte do bom andar das ciências, como já dizia o mestre do anarquismo epistemológico, Paul Feyerabend. Nesse caso, o melhor é se embrenhar na floresta cognitivista com um espírito de naturalista, à la Charles Darwin.

PS. Pra fazer jus aos linguistas cognitivistas brasileiros, deixo aqui o site do GT Linguística e Cognição, filiado à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística-ANPOLL.


Um comentário:

  1. Olá, boa noite!

    Muito bom ter pessoas que gostem de CL. A enterprise é pouco conhecida e mal-referenciada, infelizmente, em linhas de pesquisa, por exemplo, quando citam a Bybee como autora da noção de prototipicidade. Outro momento é a avalanche de teorias denominadas cognitivas. Entretanto, os objetivos centrais, que são dois, da CL devem ser respeitados, Cognitive Commitment e Generalisation Commitment. Escrevo em Inglês pois tenho lido diretamente dos originais e não sei como são usados na linguística atual os termos convencionados a serem usados numa interpretação para o nosso Português.
    Em relação a alguma informações no que diz respeito a CL, gostaria de colocar alguns posicionamentos. Primeiro, não li a publicação Oxford handbook of CL. Baseio-me nas colocações de Langacker, que além de pioneiro deste escopo, usou o termo usage-based thesis/theory pela primeira vez e influencia pessoas de diferentes perspectivas cognitivas, como a Bybee, já citada, mas que compartilham os mesmos princípios teóricos de CL. Segundo, Linguistas como Vyvyan Evans, em The Semantics of English Prepositions, Seth Lindstromberg e Frank Boers, com Cognitive Linguistic Approaches to Teaching Vocabulary and Phraseology, ambos europeus, fazem uso de CL como os americanos o fazem. Terceiro, acordo com Langacker, estrutura semântica é estrutura conceitual. Os elementos do mundo são vistos numa perspectiva básica de gestalt e cognitiva, com orientações de Mandler, Tomasello e Eleanor Rosch. A ideia de que o "CL americano" é mais Chomsky não encontra fundamentos nem nos trabalhos dos europeus acima citados nem nos de Langacker, que ataca impiedosamente os fundamentos gerativistas, utiliza-se de um corpus extenso, e mais ainda, baseia-se primeiramente no uso, levando em consideração, numa perspectiva cognitiva, os acontecimentos e conhecimento social que um symbolic assembly como estrada para uma gama vasta de experiências vividas no mundo, que se constróem de maneira polisêmica. Acho, inclusive, que a Sociolinguística Cognitiva não compactua dos princípios de Langacker, George Lakoff e Mark Johnson. Como CL é bem ampla, e tamb
    também não sou de aceitar tudo - e dá mais trabalho - o jeito é procurar ler as bases da ciência, observando se os resultados dos experimentos são analisados critica, extensiva e logicamente coerentes, e não forçando teorias. Claro que uma ótica de ordem filosófica ajuda, mas conhecer o campo com mais propriedade nos arma com embasamento lógico - não é minha área, mas é incrível como conhecer mais a fundo ciência nos apronfunda em lógica - e é melhor do que conhecer, mas ler com olhar de dúvida. Só qu se leva mais tempo. Tem que se tomar cuidado com redundâncias no meio, Langacker e Vyvya Evans falam disso.
    Outra coisa que gostaria de falar: a CL é um conjunto de ramificações que compartilham as mesmas noções teóricas, ou pelo menos consistentes. Tipologia, Fonologia, semântica são áreas de trabalho de CL, ver Geoffrey Nathan, Bybee, Tomasello, Mandler, estes dois psicologia desenvolvimentista e cognitiva, George Lakoff. Um bom livro introdutório, pois foca mais nos princípios do que em língua é o de Vyvyan Evans e Melanie Green, Cognitive Linguistics, an Introduction.
    Não acho ruim ter um monte de corrente, acho que quando alguém começa algo, uma teoria, devemos tentar entender os pressupostos teóricos, os experimentos de um autor e analisar com profundidade se as teorias são consistentes, não posso usar CL deliberadamente. Ou eu investigo suas bases teóricas, e reformulo e redefino pontos, ou eu crio outra.

    Bruno Wagner.

    QQ coisa, meu email, para eventuais conversas sobre o ramo.
    Sou do Rio de janeiro, moro em Vilhena há alguns meses por causa de minha esposa, e terminarei na Federal daqui.

    Email: innersecret@gmail.com

    ResponderExcluir